Simplificar a vida é uma das coisas que eu sempre quis. Desistir daquele lance de complicar tudo, encanar com tudo, imaginar o que os outros vão pensar ou dizer. Ser leve era meu objetivo. Mas a vida tem algumas características pesadas das quais ainda não consegui me livrar.
Admiro as pessoas que encaram a morte como algo natural e necessário. Que são leves quando alguém querido se vai. Eu ainda não consigo. Até outro dia eu só havia perdido um alguém que realmente fez um buraco no meu peito: meu padrinho. E daquele dia em diante eu peço para não passar mais por isso, porque a dor é insana.
Mas a vida não quis assim. Muitos, ao lerem, me chamarão de louca, porém, só quem tem um bichinho de estimação e o ama profundamente vai me entender.
Um ano antes de me casar, estava a caminho do trabalho quando encontrei três gatinhos, com menos de um mês de vida, abandonados em uma praça. Era feriado, chovia e fazia frio. Resisti e segui meu caminho. Mas a cena apertou meu coração o dia todo. Quando voltei do trabalho os bichinhos ainda estavam ali e pior: com a saída de crianças da escola, estavam sendo maltratados.
Corri em casa e com minha grande cúmplice, minha irmã, resgatei os pobrezinhos. Levamos para casa, demos banho, tiramos as pulgas uma a uma com pente fino e medicamos com Vitamina C (sempre orientadas pela querida médica veterinária Mônica Cuono).
Foi assim que Nina entrou na minha vida.
A idéia era eu levar os três gatos para minha futura casa, após o casamento. No entanto, durante a passagem do tempo, doei os outros dois gatinhos.
E só Nina permaneceu.
Nossa amizade era enorme. Ela me entendia e eu a entendia. Quando estava triste e sozinha era com ela que conversava, e quando estava alegre também.
Nina era uma guerreira. Pulou duas vezes da janela do meu apartamento - 6º andar – e não se fez nenhum arranhão. Na verdade, acho que ela era uma exímia praticante de queda livre!
Um ano antes de nos mudarmos para a praia ela passou a ter sérias convulsões. O exame indicou PIF Felina (peritonite). Essa doença, que atinge humanos e animais, só é fatal e terrível nos gatos. Quando recebi o diagnóstico e a previsão de menos do que um ano de vida, meu mundo caiu.
Se eu amava Nina, passei a amar mais; se eu cuidava bem dela, passei a cuidar mais; se eu conversava ou a acariciava, passei a fazer muito mais e a pedir para o Universo, para a Natureza, os Deuses e as Deusas que não a deixassem sofrer. E eles não deixaram.
Viemos para a praia e ela nunca mais convulsionou. Entrou no cio e engravidou. No entanto, pouco antes da data de nascerem os filhotes morreram. Nina entrou às pressas em cirurgia, retirou os filhotes e foi castrada. O resultado: o médico não viu nenhum sinal de PIF. Eu estava feliz.
Mas Nina foi operada logo na semana seguinte, pois alguns pontos internos se soltaram. E bravamente ela resistiu, sem nenhum arranhão. Isso aconteceu em outubro, no meu aniversário.
Nina sempre foi guerreira.
Nestas estripulias felinas acho que suas sete vidas se foram e, de forma ridícula, Nina também se foi. Atropelada, Nina deixou meu mundo e foi ser mais feliz. Eu fiquei e mais uma vez o rombo no peito se abriu. Jamais imaginei que isso pudesse acontecer.
Tenho mais nove gatos, mas o espaço da Nina era só dela. Só ela tomava café ao meu lado todas as manhãs, só ela não gostava de tomar leite com a turma, só ela me atrapalhava na hora de guardar as roupas passadas ao tentar entrar no guarda-roupa e gavetas, só ela gostava de deitar no pé da minha cama. Só ela!
É difícil entrar em casa e sentir sua ausência. É muito difícil.
E isso me faz perceber que nem tudo é simples assim...